Davi Ramos

A Noite Americana

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A Noite Americana (Nuit Americaine), de François Truffaut.

Em certo momento de A Noite Americana, todas as querelas, complicações e intrigas de bastidores do filme dentro do filme finalmente cedem espaço à sétima arte. Os desafios de produção já foram vencidos, as batalhas de ego se amansaram, acabaram os coquetéis e toda a agitação promovida pela imprensa foi embora. É hora de filmar. Finalmente o diretor, de fato, dirige. A técnica se burila, as cenas ganham forma e movimento, os atores se entregam, a equipe se afina. Enfim, como diz o personagem de Truffaut (que não só é o diretor do filme, como interpreta o diretor do filme dentro do filme): o cinema reina.

Não existe experiência mais absorvente, mágica, estranha e necessária do que acompanhar o nascimento de uma obra audiovisual. Aliás, esse palavrão, “obra audiovisual”, me parece isso mesmo: um palavrão, algo chulo, ofensivo. É uma palavra que eu uso para não falar “vídeo”, quando, na verdade, por mim eu falava mesmo “filme”. Não vejo o cinema como uma arte dependente de qualquer suporte, mas como algo maior, e por isso mesmo difícil de definir. Mas, apenas para ser poético, pode-se dizer que cinema não é uma coisa, mas um sentimento. Sentimento este que não está em nenhum dos reagentes químicos da revelação, não compõe a emulsão química da película e nem está grudado nos negativos. Ele não está em nenhum lugar, justamente pelo fato de que está em toda parte. Por isso mesmo é tão forte, arrebatador, viciante, criador e destrutivo a um só tempo.

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