Davi Ramos

Almodóvar é Almodóvar

abrazos_rotos

(Abraços Partidos, Los Abrazos Rotos, ES, 2009)
será publicada no dia 01/01/20010, no Caderno 2, jornal A Tarde

Regularidade, elegância na forma e perícia no trabalho com atores são marcas inconfundíveis do trabalho de Pedro Almodóvar. Assim, é natural esperar dele a mesma propriedade que encontramos em um Eastwood, Allen ou Scorsese – grandes estetas do cinema, e todos, como ele, já na melhor idade. Em seu trabalho atual, no entanto, não encontramos o mesmo vigor criativo que vemos em seus contemporâneos. Ao contrário de Eastwood, cujo cinema vem numa reta ascendente desde Menina de Ouro, para Almodóvar a maturidade se acompanhou de certa frouxidão criativa. Desde A Má Educação ganha corpo em seus filmes o elemento suspense, com cenas inteiras compostas como sofisticadas homenagens a Alfred Hitchcock — o que fica muito evidente em Volver, filme de assassinato com tempero latino. Afora isso, repete-se a história de escavação do passado que vimos em A Má Educação. As belas imagens, muito bem fotografadas, são de uma clareza e nitidez que têm muito a ver com o modo franco e cândido como o diretor encara seus personagens, evitando torná-los de todo mal ou de todo ruim.

A trama, como em A Má Educação, volta a ter como protagonista um profissional de cinema – Mateo Blanco, ex-diretor que, após ficar cego em um acidente, vive sozinho e escreve roteiros por encomenda. Difícil imaginar que, ao falar sobre um cineasta que perde sua maior ferramenta, Almodóvar não esteja falando também sobre seus próprios medos. O diretor, que também escreve seus filmes, abre com isso espaço para uma série de comentários implícitos sobre o fazer cinematográfico, e um olhar mais demorado poderia certamente seguir a teia para se chegar ao artíficie.

As atuações estão todas excelentes, com destaque para Blanca Portillo, que trabalha com contenção no papel de uma produtora cheia de segredos. Penélope Cruz não faz feio, mas talvez sua condição estelar a tenha colocado em exposição excessiva para um filme no qual ela não é, de fato, a protagonista. O posto fica com Lluís Homar, o diretor cego, que compõe seu personagem com competência. Impecável em seu artesanato, Abraços Partidos é mais um traço digno na cinematografia do diretor espanhol. Fora deste território, no entanto, carece de relevância e autenticidade. Um Almodóvar, no entanto, é sempre um Almodóvar, e merece ser visto.

ps: feliz 2010 😀

Publicação original

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