Davi Ramos

Amor

os_amantes

quadro: Os Amantes, de René Magritte

— Lia?

— Sim?

— Eu não te amo.

— Como assim não me ama?

— Eu tava olhando pra você, aí deitadinha, lendo seu livro, e de repente percebi que eu não te amo.

— Mas quando você disse o contrário?

— Nunca.

— A gente tá junto há quanto tempo? Um mês e meio?

— Um mês e meio.

— Não acha um pouco precipitado?

— Pra dizer que não te amo?

— Sim.

— Talvez eu tenha pulado alguma etapa, mas não sei bem qual...

— Que tal aquela parte em que você diz que me ama?

— Não me pressione. Eu já disse que não...

— Não precisa repetir.

— Mas o que você quer que eu diga, então?

— Não sei, mas não isso.

— E você, me ama?

— Você não tem o direito de pergunt...

— Ama ou não ama?

— E se eu disser que sim, o que você vai achar disso?

— Eu já disse que não...

— Eu sei. Eu sei.

— Mas eu gosto muito de você.

— Tá bom.

— Adoro transar com você.

— Sei.

— Seu corpo é o mais perfeitamente belo que já ví.

— Mas você não me ama.

— É.

— E precisava deixar isso claro assim, na hora de dormir?

— Foi.

— E agora eu posso dormir?

— Pode. Mas não me abrace muito.

— Porquê?

— Porque abraço na hora de dormir é só pra quem eu amo. E eu não te amo.

— Você tinha que repetir?

— Você perguntou “porquê”.

— O que você quer que eu faça?

— Fique ali no cantinho.

— Junto da parede?

— É.

— Mas tem uma infiltração na...

— Eu sei...

— Porquê eu não posso mais dormir abraçadinho?

— Eu já disse...

— Tá, eu já sei. Me empresta o travesseiro?

— O de ganso não.

— O outro.

— Pode ficar.

— Brigada.

— Tá gostando?

— É até fresco aqui.

— Você está gostando?

— To, sim. Brigada.

— Não quero mais que você fique aí.

— Porquê?

— Porquê um dia eu vou amar alguém, e esse alguém é que vai ficar aí.

— Mas não vai sobrar lugar nenh...

— Vai pro chão.

— Mas tá frio.

— Eu desligo o ar.

— Mas...

— Eu já disse. Desce.

— Me empresta um lençól?

— O chão tá bom?

— Sabe que até gostei? Assim, com ar desligado, fica gostoso.

— Sai daí.

— Mas pra onde eu vou então?

— Não sei.

— Eu fiz alguma coisa de errado?

— É claro que não. Você sabe que eu te adoro. Apenas não te amo.

— Mas praonde eu vou?

— Eu não sei. Vai pra junto das pessoas que eu não amo. Tem um monte delas por aí.

— Mas tá tarde.

— Eu sei.

— Vou pra sala, tá bem?

— Tá.

— Tchau.

— Eu to ouvindo você chorar.

— Desculpe.

— Pare com isso.

— Mas eu...

— Pare!

— Eu vou pro banheiro...

— Boa idéia.

— O que você tá fazendo aqui?

— Dá licença. Preciso urinar.

— Não posso olhar?

— Não. Só pode olhar quem...

— Eu olho pro outro lado. Tem problema não.

— Tadeu?

— Sim?

— Eu queria te falar um negócio.

— Diga.

— Mesmo com tudo isso, eu queria dizer que, do fundo do meu coração, eu te amo.

Tadeu abre um sorriso.

— Mesmo mesmo?

— Mesmo mesmo.

— Você me ama?

— Amo.

— Mesmo eu fazendo isso tudo com você?

— Mesmo você fazendo isso tudo comigo.

— Mas porque?

— Porque sim. Porque eu te amo.

— Eu também te amo.

— Eu sei, Tadeu. Vamos pra cama agora?

— Vamos.

Publicação original.

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