Amor
— Lia?
— Sim?
— Eu não te amo.
— Como assim não me ama?
— Eu tava olhando pra você, aí deitadinha, lendo seu livro, e de repente percebi que eu não te amo.
— Mas quando você disse o contrário?
— Nunca.
— A gente tá junto há quanto tempo? Um mês e meio?
— Um mês e meio.
— Não acha um pouco precipitado?
— Pra dizer que não te amo?
— Sim.
— Talvez eu tenha pulado alguma etapa, mas não sei bem qual...
— Que tal aquela parte em que você diz que me ama?
— Não me pressione. Eu já disse que não...
— Não precisa repetir.
— Mas o que você quer que eu diga, então?
— Não sei, mas não isso.
— E você, me ama?
— Você não tem o direito de pergunt...
— Ama ou não ama?
— E se eu disser que sim, o que você vai achar disso?
— Eu já disse que não...
— Eu sei. Eu sei.
— Mas eu gosto muito de você.
— Tá bom.
— Adoro transar com você.
— Sei.
— Seu corpo é o mais perfeitamente belo que já ví.
— Mas você não me ama.
— É.
— E precisava deixar isso claro assim, na hora de dormir?
— Foi.
— E agora eu posso dormir?
— Pode. Mas não me abrace muito.
— Porquê?
— Porque abraço na hora de dormir é só pra quem eu amo. E eu não te amo.
— Você tinha que repetir?
— Você perguntou “porquê”.
— O que você quer que eu faça?
— Fique ali no cantinho.
— Junto da parede?
— É.
— Mas tem uma infiltração na...
— Eu sei...
— Porquê eu não posso mais dormir abraçadinho?
— Eu já disse...
— Tá, eu já sei. Me empresta o travesseiro?
— O de ganso não.
— O outro.
— Pode ficar.
— Brigada.
— Tá gostando?
— É até fresco aqui.
— Você está gostando?
— To, sim. Brigada.
— Não quero mais que você fique aí.
— Porquê?
— Porquê um dia eu vou amar alguém, e esse alguém é que vai ficar aí.
— Mas não vai sobrar lugar nenh...
— Vai pro chão.
— Mas tá frio.
— Eu desligo o ar.
— Mas...
— Eu já disse. Desce.
— Me empresta um lençól?
— O chão tá bom?
— Sabe que até gostei? Assim, com ar desligado, fica gostoso.
— Sai daí.
— Mas pra onde eu vou então?
— Não sei.
— Eu fiz alguma coisa de errado?
— É claro que não. Você sabe que eu te adoro. Apenas não te amo.
— Mas praonde eu vou?
— Eu não sei. Vai pra junto das pessoas que eu não amo. Tem um monte delas por aí.
— Mas tá tarde.
— Eu sei.
— Vou pra sala, tá bem?
— Tá.
— Tchau.
— Eu to ouvindo você chorar.
— Desculpe.
— Pare com isso.
— Mas eu...
— Pare!
— Eu vou pro banheiro...
— Boa idéia.
— O que você tá fazendo aqui?
— Dá licença. Preciso urinar.
— Não posso olhar?
— Não. Só pode olhar quem...
— Eu olho pro outro lado. Tem problema não.
— Tadeu?
— Sim?
— Eu queria te falar um negócio.
— Diga.
— Mesmo com tudo isso, eu queria dizer que, do fundo do meu coração, eu te amo.
Tadeu abre um sorriso.
— Mesmo mesmo?
— Mesmo mesmo.
— Você me ama?
— Amo.
— Mesmo eu fazendo isso tudo com você?
— Mesmo você fazendo isso tudo comigo.
— Mas porque?
— Porque sim. Porque eu te amo.
— Eu também te amo.
— Eu sei, Tadeu. Vamos pra cama agora?
— Vamos.