O cinema baiano existe!
Salvador, 19 de dezembro de 2005. Às 20h, em sala do multiplex Aeroclube, sessão especial do premiado Eu Me Lembro, filme do cineasta baiano Edgard Navarro. Ele volta a Salvador com seis candangos, o prêmio do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro – melhor filme, melhor direção, melhor roteiro (para Edgar Navarro), melhor atriz (para Arly Arnaud), melhor ator coadjuvante (para Fernando Neves) e melhor atriz coadjuvante para (Valderez Freitas Teixeira).
Após receber o sexto troféu Edgard, emocionado: "Vocês querem me matar? Nós somos muito pobres". Em seguida, levou uma baita queda ao descer do palco. Na sessão do multiplex, ele estava de muletas. Antes da projeção, equipe, diretor e elenco se reuniram para falar ao público. Em longo e emocionado discurso, Edgard deve ter falado de toda a equipe e mais um pouco, enfatizando que este sucesso recente não é algo repentino, mas fruto de um processo longo de amadurecimento do cinema baiano, levado adiante por figuras como Alexandre Robato, Walter da Silveira e Glauber Rocha.
Enfim, o filme!
Delírio. Gozo. Sexo. Putaria. Me perdoem o palavrão, mas para falar de um filme de Edgard só entrando na onda. Eu Me Lembro não pede uma crítica formal, quadradinha. Pelo menos não para mim. O fato é, e vou admitir logo de cara: sou completamente incapaz de julgar imparcialmente um filme de Edgard. Eu adoro Edgard Navarro porque adoro O Superoutro e porque adoro sua seriíssima despretensão que, como não quer nada, acaba sempre indo direto ao ponto de questões profundas que envolvem não só o cinema como a arte em si. Por isso não esperem nada muito coerente – esta crítica porra-louca é minha homenagem ao nosso franzino colega de sétima arte.
Basicamente, Eu Me Lembro é um resumão da vida de Edgard Navarro, também roteirista do filme. Da infância à adolescência, acompanhamos os primeiros contatos dele com a sexualidade (com a mesma descaração que Edgard já mostram em Superoutro) e, sobretudo, a relação problemática com o pai autoritário. Personagens entram e saem, e tudo anda muito rapidamente neste filme que dá a impressão de que havia uma vontade de colocar tudo.
Por seu nível de honestidade, Eu Me Lembro não deve ser considerado apenas um filme autobiográfico de Edgard Navarro. Eu Me Lembro É Edgar Navarro, não no sentido de uma biografia plena, mas por ser fruto de uma vontade objetiva de recriar na película o mundo que já existia em suas percepções de garoto, para isso passando por cima mesmo da prudência de criar um roteiro mais coeso e bem amarrado. Entre o sentimento e a técnica, é óbvio que optou-se pelo primeiro.
É vergonhoso que a um cineasta referencial como Edgard, que criou tanto rebuliço com seu média Superoutro, só se tenha dado até agora uma oportunidade de realização em longa. Com a bagagem que tem, Edgard é um estreante. Talvez por isso existam alguns problemas. A história por vezes parece não encontrar seu ritmo. Uma multidão de personagens entram, desaparecem, retornam rápido demais, dificultando o entendimento. Os momentos cômicos funcionam, mas carecem de ritmo. Coisa de ajuste mesmo. Até certo momento o filme parece desconectado, como uma sucessão de acontecimentos mal amarrados. O ator que faz Guiga na adolescência/idade adulta não dá conta do recado – além de ter um aspecto de garoto bonitão, ele confere uma certa canastrice ao personagem. A narração se mostra excessiva – muitas vezes a voz de Edgard está lá para descrever o que já está sendo mostrado. Mas nada que comprometa um filme tão impregnado de verdade.
Ao final, tem-se a nítida impressão de que tudo aquilo que foi entendido como defeituoso está finalmente caindo em seu lugar, ganhando significado uma de forma tocante e poderosa. Mesmo naquilo que se poderia chamar de defeito, Eu Me Lembro se exime porque não cai na armadilha da pretensão. Ele é todo guiado por um sentido de leveza que dota cada cena de uma graça própria e cativante.
Boa parte da família estava lá. Todos, muito emocionados, abraçavam Edgard com palavras de agradecimento. O clima era de comoção. Antes de sair, Marcos (sobrinho de Edgard) me apresentou o seu tio. Eu, que imaginava que ele já tinha ouvido de tudo, virei pra ele e disse: “Edgard, você botou pra fuder”. “A gente está aqui pra isso mesmo”, ele respondeu. Ainda bem.
ps: pelas palavras de Edgard, ainda vai demorar um pouco pro filme estrear nos circuitos comerciais. O filme ainda é independente, e falta grana pra fazer as cópias.