Como meditar errado
O ensō (円相), ou “círculo”, simboliza iluminação, força, elegância, o universo e o vazio
Se você tem interesse no assunto, talvez já tenha ouvido muito sobre como meditar corretamente, de acordo com algumas das tradições que utilizam a meditação para os mais diversos fins. Esse não é o tipo de conselho que estou preparado para dar. Vou argumentar que meditar errado pode ser muito útil. Vamos encarar os fatos: a maioria de nós nunca vai pisar em um monastério ou se matricular em um curso que nos ilumine perpetuamente. Nossas vidas são cheias de compromissos terrenos e impedimentos. Às vezes, imitar nosso monge favorito é uma receita para frustração, e estas frustrações acumuladas enfraquecem o nosso compromisso com a prática. Tudo vira desculpa. "Não consigo fazer a posição de lótus", "tem muito barulho aqui", "não tenho um zabuton", "não tenho nem sino, nem sangha, nem um poético templo japonês". E por aí vai. A ideia de perfeição inatingível nos leva a desistir.
Estou lendo o livro The Empty Mirror: Experiences in a Japanese Zen Monastery, que relata as experiências de um ocidental num monastério Zen no Japão. Num dia comum, eles meditam por seis horas ou mais. Nesta circunstância, é preciso muita estrutura e disciplina. Ainda mais porque precisam sustentar a prática de dezenas de monges ao mesmo tempo. Os monastérios também funcionam com base na tradição — muito do que fazem não é estritamente necessário. Ademais, não estou em um monastério. Em casa, posso ser um pouco preguiçoso.
Na tradição Zen budista, a recomendação mais comum é sentar-se na posição de lótus completa. Isso significa sentar-se com as pernas cruzadas, com o pé esquerdo sobre a coxa direita e o pé direito sobre a coxa esquerda. Essa posição é desconfortável para a maioria dos ocidentais. Segundo meu amigo monástico de The Empty Mirror..., a lótus completa serve para permanecer estável mesmo se adormecer. Monges meditam entre seis e dezesseis horas por dia, além de realizar trabalhos físicos extenuantes. Não é à toa que caem no sono durante a meditação. Eu não sou monge. Medito trinta minutos por dia, quarenta e cinco no máximo, e não preciso cozinhar arroz ou arrancar mato do jardim no resto do dia. Para mim, a posição de meio-lótus é suficiente. Ela é como o lótus completo, mas um dos pés fica abaixo da outra coxa. É muito mais fácil.
Também não faço o mudra cósmico. Esta é uma posição para as mãos durante a meditação. Entendo e respeito sua importância simbólica, mas manter minhas mãos nesta posição delicada e específica quebra meu fluxo. Fico obcecado em manter a posição perfeita. Eu medito sozinho, não há necessidade de comunicar minha adesão a uma linha em particular. Estou certo que o universo saca a minha vibe com ou sem isso.
A última coisa que faço diferente é apoiar as costas na parede. Experimentei fazer como os monges, sem nenhum apoio. Não é difícil, mas também não vi grande benefício. Prefiro me sentir confortável. Presumo que o zazen (meditação Zen) sem apoio nas costas é útil em monastérios, pois há monges demais e paredes de menos.
Claro que essas coisas têm justificativas que vão além da tradição ou das necessidades práticas dos monastérios. O pacote completo é composto pela lótus completa, o mudra cósmico e a postura. Em tese, evitam relaxar demais na postura, em uma atitude de atenção ao corpo que conduz ao tempo presente. Entretanto, se você é um budista preguiçoso como eu, tornar essas coisas obrigatórias pode fazer sua prática desaparecer.
Outra questão é o tempo: idealmente, a prática requer horários fixos. Isso pode funcionar para algumas pessoas, mas tenho filho pequeno, e além disso o TDAH dificulta seguir horários. É uma boa ideia ser flexível em minha agenda. Se tenho meia dúzia de tarefas para cumprir num dia, e cada uma delas tem hora e ordem certas, perder um desses compromissos pode me colocar numa espiral de fracasso. Entretanto, se tenho cinco tarefas que posso reorganizar conforme necessário, há uma boa chance de que sejam feitas. O mesmo vale para a meditação. Medito diariamente por trinta minutos, às vezes quarenta e cinco. Não sei exatamente quando. Entre outras coisas, a hora em que medito depende de quando os vizinhos tocam música alta do nada, se meu filho requer minha atenção, ou quando termino as tarefas domésticas.
Mas como eu medito, mais precisamente? Sigo os conselhos dos monges Zen, mas faço tudo errado. Thich Nhat Hanh é sempre uma leitura excelente. A Monja Coen (uma monja brasileira) dá bons conselhos no YouTube. Já li alguns livros sobre o Zen. O Caminho do Zen, de Alan Watts, tem um lugar especial em minha história. Zen - Mente de Principiante me influenciou sensivelmente. Mas quando se trata da prática do zazen em si, é algo muito simples.
Primeiro, você senta em uma almofada. As costas devem estar retas. Olhos abertos em foco suave. Isso não é meditação transcendental; a ideia não é ir além da realidade. Você se senta e sente que está sentado. E então você fica ali. Você observa sua respiração — isso é comum a toda escola meditativa. Você pode, opcionalmente, contar as exalações. Inspire. Expire — e conte um. Inspire. Expire — conte dois. Continue assim até chegar a dez, e então recomece do um. Se perder a conta, apenas volte ao um. Contar as respirações pode ser útil para produzir uma concentração com relativa independência de pensamentos rotineiros. Mas isso não é obrigatório, e talvez você não precise. Algumas pessoas são meditativas por natureza. Às vezes gosto de respirar livremente.
Pensamentos e emoções vão emergir naturalmente. Não tente afastá-los. Também não se agarre a eles. Zazen não é remoer pensamentos e emoções. Deixe-os estar até que não sejam mais. Monges e escritores gostam desta metáfora: sentado na margem, você observa um rio. O rio traz um tronco. Você não segura o tronco e nem acelera o seu passo. Você só observa até que o rio o carregue pra longe. O tronco são seus pensamentos e emoções. Prolongando a metáfora, eu diria que a corrente do rio é sua respiração, permitindo calmamente que seus pensamentos surjam e desapareçam por si mesmos.
Durante a prática do zazen, você não tem um objetivo. Zazen é o objetivo do zazen. Isso faz sentido em minha prática. Entretanto, fora da prática, é impossível evitar expectativas sobre a meditação. Um excesso de expectativa impede a meditação. Mas sem expectativas não há motivação para meditar. É saudável ter alguma expectativa, mas também é preciso saber deixá-las ir.
O perfeito é inimigo do bom
De modo geral, fazer algo é melhor do que não fazer nada. Para começar a correr, você pode pensar que precisa de um tênis caro, camiseta e shorts de corrida de uma marca conhecida. Talvez também queira uma garrafa de água bonitinha, um smartwatch para monitorar seus sinais vitais, e o melhor fone para escutar sua música favorita. Embora tudo isso seja ótimo, você não deveria esperar uma situação perfeita para começar. Talvez seja melhor correr agora mesmo com as coisas que você já tem.
Do mesmo modo, gostaria de recomendar a prática de meditar do jeito errado. Você não precisa de uma almofada perfeita, de um jardim Zen, de um mestre ou de um monastério. Seu zazen não precisa ser sequer remotamente certo. Se tentar fazer do jeito certo, é certo que vai falhar. Por outro lado, garanto que terá êxito fazendo errado. E, mesmo fazendo errado, ainda terá muitos dos mesmos benefícios de fazer do jeito certo.
Uma vez que removi algumas das desculpas mais comuns para não meditar, talvez pense o leitor que recomendo a meditação para toda e qualquer pessoa. Sem desculpas. Esta conclusão é incorreta. Eu não acho que todo mundo deva ou precise meditar. Para algumas pessoas ocorre naturalmente o que eu busco meditando. Em parte devido ao meu TDAH, o zazen é incrivelmente benéfico para mim. Parece mágica. Os dias em que medito são completamente diferentes dos outros. Embora eu faça uso de medicação para isso, ela é como uma faca — útil apenas quando apontada na direção certa. Se tomo a medicação e fico vendo vídeos no YouTube, me torno apenas um parasita de sofá mais eficiente. Faço coisas que parecem produtivas, mas não o que precisa ser feito. Posso passar horas baixando filmes raros que nunca vou assistir. Serei muito eficiente nisso, mas isso não é produtivo. Nesses dias, nem nas coisas que gosto eu me sinto presente. Posso comer a melhor comida sem saboreá-la, ou assistir uma série excelente sem prestar a devida atenção. Meditar do jeito errado me ajuda imensamente.
Porque uma mente vazia é uma mente útil, o zazen devolve minha mente para mim.