Davi Ramos

O Ouvinte

O Ouvinte tinha à sua disposição uma grande antena de rádio, que captava sinais de todos os pontos do universo. A antena, de alta potência, funcionava perfeitamente, mas o decodificador não era capaz de transformar nada daquilo em um sinal constante e confiável. O chiado eventualmente sumia, e somente por mínimas frações de segundo o ouvinte podia escutar com clareza. O resultado eram pedaços de um quebra cabeça que nunca se completava.

Qual seria, então, a solução? Considerando que não havia outro decodificador disponível que se ajustasse àquela antena (pois cada antena, por um motivo que não se sabia, só podia ser acoplada a um decodificador que lhe era própria), o pobre ouvinte não se desesperou. Anotou os traços identificáveis e foi ao encontro de especialistas em códigos, que tentaram encontrar uma chave que a desvendasse a estranha transmissão. Ao mesmo tempo, o Ouvinte consultava sagrados volumes da interpretação das transmissões, mas se perdeu em meio a tanto conhecimento, por ser ele tão amplo e por vezes obscuro.

Os Especialistas lhe devolveram suas interpretações, mas o Ouvinte logo percebeu que, embora alguns pontos parecessem fazer sentido, os Especialistas por engano haviam mandado para ele anotações das transmissões recebidas em suas próprias antenas e interpretadas pelos seus próprios decodificadores.

Sem saber o que fazer, e cercado por uma quantidade de informação que superava sua capacidade de análise, o nosso Ouvinte recorreu a uma última tática desesperada. Ele convidou todos os Especialistas para irem até sua casa, na esperança de que, conferindo-as de perto, conseguissem dar-lhes sentido. Animados pelo convite, os Especialistas, que já andavam intrigados com o assunto, correram para a casa do Ouvinte.

Chegando lá, todos se sentaram confortavelmente, no que o Ouvinte ligou o decodificador. Logo o ruído chiadento invadiu toda a sala. Os Especialistas se entreolharam. Depois de algum tempo, um deles (que parecia ser o mais velho e sábio de todos, pois das barbas a sua era a maior) começou a cochichar para os seus colegas, com seu sorriso bonachão se escondendo entre os bigodes. Intrigado, o Ouvinte desligou a aparelhagem e indagou ao douto ancião o motivo de tanta graça. Não se fazendo de rogado, o Especialista mor se levantou reverentemente, pois sabedoria e humildade sempre andam juntas. O mestre explicou alguns conceitos técnicos sobre a tecnologia das transmissões, que no fundo já eram do conhecimento de todos. Seu conhecimento e simplicidade, no entanto, davam àqueles conceitos antigos uma cor nova, que com leveza esclarecia dúvidas também muito antigas. Depois da ligeira palestra aos colegas, o respeitável instrutor dirigiu-se diretamente ao Ouvinte, para o qual assim falou:

— Caro colega! Problema semelhante já afetou qualquer especialista em transmissão e recepção. Não deves, portanto, se torturar por isso, pois tal erro eu mesmo já cometi, em minha juventude. Trata-se de uma questão de referência. Aquilo que chamas de ruído, de chiadeira, é tão somente a voz que brota das profundezas ignotas – a que diz a verdade. Ignora, portanto, os segundos de silêncio - estes são desprezíveis. Para nós, Especialistas, essa voz se faz ouvir com um pouco mais de clareza. Podemos ajudá-lo. Mas o sentido completo, caro amigo, só você poderá encontrar, pois entre o Especialista e seu decodificador há um elo inquebrantável.

E assim foi. Durante toda a noite, os Especialistas e o Ancião, em animada palestra com o Ouvinte, analisavam criteriosamente todos os detalhes da transmissão. O Ouvinte a tudo escutava com atenção, alegre e jovial, pois não só encontrara um caminho, como amigos que o acompanhassem em sua jornada. Secretamente, no entanto, havia algo naquelas transmissões que ele captava mais profundamente que seus colegas. Ele não as poderia explicar a ninguém, mas seu júbilo naquele momento era tão grande que tudo se revestia de um doce sentido do amanhã.

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