Davi Ramos

Ó Paí, Ó

opaio

(Monique Gardenberg, 2007, Brasil)

Dentre os efeitos que um filme produz, um dos mais importantes é o do reconhecimento. Mas ele não é o único. A identificação com os personagens é o que nos comove a cada revés negativo ou positivo que ele passa. Se ele perde, perdemos também. Se vence, vencemos com ele. O estabelecimento do protagonista é conseqüência lógica do fato de que cada espectador só pode assumir uma única instância do olhar. Ó Pai, Ó, embora falhe na identificação, funciona às mil maravilhas no reconhecimento. É um fenômeno. Uma amiga me contou: viu o filme no tabuleiro de uma baiana. A identificação com o público de Salvador é digna de nota. De fato, a esculhambação sadia e muito baiana que se vê ali não havia ainda encontrado representação fidedigna em nosso cinema recente. Estão lá o vocabulário, o sotaque e, especialmente, o jeito nonsense de ser que conhecemos das ruas, do carnaval, do teatro.

O humor segue o padrão dos esquetes, apoiado no elenco competente, e em situações construídas com escracho incomum no cinema brasileiro atual. O excesso de personagens é evidente. A progressão dramática é falha ou inexiste, e no final tudo se resolve com belas imagens de carnaval. Predomina a estética publicitária, apoiada na construção estereotipada do roteiro (mas que, de tão exagerada, entra no território da fantasia, evitando também a condenação fácil). Há pouco para se falar dos planos, pois o filme tem montagem televisiva, descartável e irrelevante.

No final, quando o fato trágico se acompanha da música que surge de sopetão, com jeito brega e apelativo, fica clara a influência teatral, não só na atuação, mas também em termos de construção de clímax. Aquela música que toma de assalto e dá o tom do melodrama tem muito de teatro baiano mesmo, e não necessariamente do que ele tem de melhor: o drama social soa, por isso, ultrapassado, carecendo de verdade (mesmo que seja o fato uma realidade, ele não a encontra dentro do filme).

O efeito final tem sido positivo, ao menos na capital baiana. O público de Salvador, embalado por uma nostalgia irresistível, sai das salas de cinema satisfeito. Sinal não tanto da competência do filme, mas de uma carência geral de representatividade. Por isso, duvido que a reação tenha se reproduzido em outros estados brasileiro.

Ao elenco do Bando de Teatro Olodum, no entanto, fica o mérito de recriar com eficiência os arquétipos da vida baiana, dando-lhes forma e representação para futura referência. Me pergunto o que poderia acontecer se o filme tivesse também uma boa história. O texto original, de peça do Bando de Teatro Olodum, fazia um questionamento pungente à política de restauração do Pelourinho, quando famílias foram coagidas a abandonar seus lares por indenizações irrisórias. Uma oportunidade, entre tantas que se perdem no roteiro de Monique Gardenberg.

ps: para apresentar um contraponto, deixo com vocês o link do comentário emocionado (e a meu ver exagerado...) de Arnaldo Jabor sobre o filme. Ouça aqui.

ps2: o comentário de André Setaro merece também ser lido. Como sempre, uma lição de crítica e conhecimento cinematográfico. Leia clicando aqui.

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