Sobre as reticências
Quem me conhece sabe que não gosto de reticências em textos literários. Resolvi reunir aqui os meus pensamentos sobre o tema.
É importante observar que algumas formas de pontuação organizam o conteúdo textual enquanto outras possuem também implicações semânticas mais salientes. Ponto e ponto e vírgula fazem parte do primeiro grupo. Já a exclamação é usada no final de frases exclamativas. A interrogação, por sua vez, indica uma pergunta, demandando respostas específicas do interlocutor.
Reiterando, haveria, dentro desta tese, pontuações que no mais das vezes organizam o texto e outras que, no mais das vezes, produzem além disso significados e possíveis interpretações mais complexas. A reticência pertence ao segundo grupo e por isso deve ser usada com semelhantes critérios.
Seria um erro empregar uma interrogação em uma frase que não é uma pergunta. Seria errado empregar exclamação em uma frase que não requer ênfase ou exaltação. Seguindo a mesma lógica, é incorreto utilizar reticências quando não se deseja comunicar que o falante está "reticente".
"Reticente", neste caso, expressa uma postura de hesitação e freio. Indica que o narrador ou personagem não estão de todo investidos na sentença. Uma sentença seguida de reticências indica intenções ocultas, ensejando no leitor um processo de especulação e formação de hipóteses. Queremos desvendar o que se esconde nos três pontinhos.
Dada sua natureza especulativa, a reticência comanda uma lentificação do processo de leitura. Ela convida o leitor a parar por um instante para considerar as ramificações do que foi dito. Quando usada em excesso, em toda fala ou parágrafo, ela produz efeitos indesejados. São eles:
Efeito sensorial. Reticências possuem três caracteres, chamando muita atenção para si. O efeito visual é sujo e desarmônico.
Banalização e apatia. A reticência perde o efeito. O leitor ou a ignora ou a interpreta como um ponto (".").
- Em outras palavras, se você trata a reticência como pontuação corriqueira eventualmente o leitor deixará de interpretá-la como um sinal de hesitação. Isso pode vir a ser um problema quando você quer expressar hesitação.
Lentificação. Este é o oposto do número #2. É possível que um leitor diligente continue a interpretar todas as reticências como sinais de hesitação, mesmo em excesso. Isso o levará a uma lentificação exaustiva da leitura, prejudicando a fruição da história.
Reticências são um recurso válido em obras literárias, mas é preciso entender o que as torna úteis e em que circunstâncias devem ser empregadas. Seria um erro grave terminar com interrogação ("?") uma frase não interrogativa ou com exclamação ("!") uma frase sem emoção forte ou caráter imperativo. Seguindo a mesma lógica, reticências devem ser aplicadas para indicar hesitação ou duplicidade. Nunca como uma pontuação "pau pra toda obra", livrando o autor da tarefa árdua de imprimir um ritmo próprio com vírgulas e pontos. Ademais, o uso excessivo das reticências cria obras visualmente desarmônicas, banaliza o efeito das reticências e lentifica o processo de leitura, tornando-o exaustivo. Esses fatores combinados prejudicam a fruição da história, algo que todo escritor deve evitar.